Pelican of London e Thor Heyerdahl


Ao longo de muitos anos, é frequentemente associada à imagem dos marinheiros o estereótipo de bêbado festivo, com canções como “What shall we do with the drunken sailor” manifestando essa mesma ideia, quase como hinos à ebriez. Verdade ou mito, a realidade é que há mais de meio século que temos lidado com marinheiros bêbados – por sermos um bar e tudo mais. No entanto, com a epidemia do corona vírus, cedo nos apercebemos que este seria um ano atípico: uma armada de marinheiros sóbrios, desprovidos de mantimentos, dirigia-se em nossa direção, fugidos das caraíbas.

A verdade é que a nossa experiência a fornecer navegadores era, na altura, praticamente inexistente, mas não totalmente. Durante os anos 50 e 60, já o avô Peter havia passado muitas horas, na sua pequena chata de madeira, a receber os primeiros veleiros que então chegavam à Horta: levando água, comida e medicamentos a bordo – pelos vistos, voltámos atrás no tempo.

De todos os que se lançaram em direção aos Açores, os navios escola Pelican of London e Thor Heyerdahl foram dos primeiros a chegar à Horta e a pedir ajuda a lidar com as recém-implementadas medidas de combate à difusão da epidemia.

Na altura, ao ouvir falar em navios escola, imaginei uma tripulação de miúdos e pensei para comigo: “bem, felizmente para nós, as crianças são a coisa mais parecida com marinheiros bêbados que podíamos ter, pois ambos balbuciam, bolsam e têm dificuldade em ficar de pé” – brincava ignorantemente – “afinal alguns dos nossos conhecimentos de bar vão facilitar esta transição…”.

Adivinhem só: surpresa, surpresa – estava completamente errado. 😑

 

Crianças?! Pelo contrário, esta malta é de um brio e de tamanha capacidade de trabalho que encostaria a um canto a maior parte das pessoas que conheço. O rigor da vida de mar manifestou-se em vastas listas de compras que na realidade pareciam destinar-se ao abastecimento de um batalhão que se preparar para a guerra.

Quando demos por nós, as nossas mesas tinham sido substituídas por sacos de batatas, as cadeiras por caixas sobrelotadas com carne, peixe e legumes, e em cada canto da sala viam-se montanhas de papel higiénico – que por alguma razão que só Deus sabe, se tinha tornado quase tão valiosas como ouro, acumulado como água em períodos de seca.

… e lá estávamos nós, a pequena tripulação do Peter a fazer um dos nossos primeiros carregamentos para estes enormes navios, que precisavam de provisões para pelo menos mais um mês.

Após este batismo de fogo, podemos dizer que aprendemos muito ao conhecer alguns destes jovens aventureiros – que retratam a atual comunidade náutica de forma muito mais precisa do que a versão estereotipada de festivos bêbedos. Na verdade, estamos satisfeitos, não só por termos estado em contacto com este tão necessário exemplo de reforma educacional –  baseada na estimulação tanto da curiosidade como da coragem como requisitos fundamentais para o desenvolvimento humano –  mas sobretudo porque nos ofereceram caixas cheias de deliciosos chocolates e rebuçados. 🤩

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