Gigantes dos Vales Atlânticos


Por entre os vales atlânticos vivem gigantes, alguns de carne e osso, outros de madeira e fibra, uns vivos e outros que realmente vivem.

Por norma, a maioria destas elegantes bestas variam entre os 10 e 20 metros, e executam proezas de impressionantes magnitudes, desde mergulhos de 2000 metros, às profundezas, lutando na escuridão, por entre os vestígios de luz, sobrevivendo o abraço da pressão inimaginável – e não apenas as do fórum psicológico –  às circunavegações por entre passagens em constante mudança, perseguindo nasceres e pores do sol, de porto a porto, por entre as praias paradisíacas das Caraíbas, e labirintos de gelo dos Árticos.

Esporadicamente, aparecem também raras espécies pigmeias, que comprovam que gigantes não se medem em palmos, e cuja grandeza de feitos desafia o espectável ao se aventurarem pelas muitas vezes traiçoeiras planícies oceânicas, espelhadas de azul, que por entre o aparente reflexo da calmaria, escondem pantanosas tempestades que se erguem violentamente desafiando as estruturas nas quais assentam e dependem a própria vida.

Foi durante uma das nossas recentes e rotineiras voltas pela baía da Horta que encontramos alguns exemplares destes espécimes, pequenos veleiros de 5 e 6 metros, que se atrevem a desafiar os oceanos. Ao aproximarmo-nos duma destas embarcações, a última que escolhera a Horta como porto de abrigo, fomos recebidos por um russo solitário. Sergei, homem na casa dos 60s, atravessou o atlântico em 45 dias, o seu pequeno Loopan de apenas 5 metros, tendo chegado à Horta com o espalha-brandais partido e o plotter GPS avariado, justificando a necessidade nossa interação inicial.

Olhando em retrospetiva, toda esta interação Sergei foi extremamente divertida, uma vez que a barreira linguística acabou por se manifestar num pretexto para frequentes sessões de charadas, que acabaram por tornar qualquer corriqueira atividade, como o levantamento de listas de mantimentos, em divertidos passatempos. E mais! Quase que de propósito, em grande parte das visitas que procediam estes momentos lúdico-laborais Sergei fazia questão de nos premiar com porta-chaves de cabos personalizados e com alguns trocos, rublos, cujo valor, neste caso, foi sempre inteiramente derivado do mero gesto de genuína gratidão.

Apesar de não dominar o inglês, Sergei demonstra mestria na arte da comunicação pela enorme expressividade gestual e afável simpatia com que, durante todo este período, interagiu com aqueles com que se cruzou – tendo inclusivamente, quando finalmente pôde desembarcar e vir a terra, emprestado o seu dingui à garotagem que se banhava no Porto de Santa Cruz, para que estes se divertissem remando ou dando exuberantes saltos acrobáticos para a água, enquanto fazia as sua voltas.

A realidade é que, toda esta experiência veio mais uma vez demonstrar magnanimidade destas espécies oceânicas, confirmando o ditado inglês, “the best things come in small packages”. Neste caso particular,  este pequeno gigante de 5 metros, Loopan, que atreve a se passear por entre as cordilheiras que se eriçam no azul vivo – em que por vezes só uma ténue linha de luz separa os céus dos oceanos – trouxe à Horta, num embrulho de fibra, enlaçado em cabos e escotas, um belo e minimalista retrato da vida em liberdade, somente superado pela enorme simpatia deste visitante.

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